Este não é um blog, mas um reblog. É um ambiente de aprendizagem. Mas o que é um ambiente de aprendizagem? - Carteiras? Quadro? Algumas janelas? Nós aprendemos através de nossas interações com professores, pais, colegas e o mundo em nossa volta, considerando que a interação é um dos mais importantes elementos da aprendizagem. Este reblog é dedicado a todos aqueles que colocando perguntas estimulam o estudo e as respostas.

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

O cliente nem sempre precisa ser o rei...

Lucy Kellaway
04/10/2010 - Valor Econômico

Na semana passada, enquanto escrevia a coluna elogiando a Apple por sua maneira franca de lidar com as palavras, Steve Jobs trocava um e-mail com uma jovem em que levou a sinceridade a um novo patamar.

Chelsea Isaacs, uma aluna da Long Island University, havia entrado em contato com a assessoria de imprensa da Apple para obter algumas informações sobre o iPad para um trabalho que estava fazendo. Ela tentou seis vezes, mas não obteve resposta. Então, enviou um e-mail para o executivo-chefe da companhia para reclamar.

"Senhor Jobs, gostaria humildemente de saber por que a Apple, que é tão atenciosa com as necessidades dos estudantes, seja em relação à sua mais nova e maior invenção, seja na prestativa linha de serviços ao cliente, tem um departamento de comunicação que ironicamente não responde a nenhuma de minhas perguntas que, como já disse repetidas vezes, são essenciais ao meu desempenho acadêmico."

Jobs respondeu: "Nossos objetivos não incluem ajudar você a conseguir uma boa nota. Sinto muito". Chelsea escreveu uma outra mensagem, longa, afirmando que a Apple deveria ter respondido mesmo que por cortesia.

Desta vez ele escreveu: "Negativo. Temos mais de 300 milhões de usuários e não podemos responder todos os pedidos, a menos que eles envolvam algum tipo de problema. Sinto muito". Então, ela observou que era um cliente e tinha um problema.
Ele respondeu: "Por favor, não nos incomode".

É possível que esses e-mails não tenham sido escritos pelo próprio Jobs. Na verdade, o departamento de relações com a imprensa da Apple não vem mais respondendo a questionamentos desse tipo, como respondeu a Chelsea.

Mesmo assim, tendo sido ele ou não que escreveu os e-mails, o mundo o vem julgando mal. "Profundamente insolícito", disse o "The Guardian". Vários leitores que odeiam a Apple me enviaram a troca de correspondência, convidando-me a engolir meus elogios à companhia. Mas não vou engoli-los. Vou cuspir mais alguns. Steve Jobs pode ser uma figura um pouco antipática, assustadora a arrogante. Mas se essas mensagens forem dele, eu o cumprimento pela objetividade, irritabilidade e por ter razão.

Chelsea também merece elogios. Ao incitar o presidente da Apple, ela sem querer tropeçou em um assunto muito melhor para um trabalho, do que alguma coisa sem sentido sobre o iPad. A primeira lição diz respeito à brevidade. Sua mensagem inicial tinha 473 palavras. A dele tinha 12. As palavras de Jobs foram curtas, grossas e fáceis de serem entendidas. As dela, menos. Mesmo na sentença do começo deste texto, ela comete três erros elementares. Ela usa a palavra "humilde", quando não está sendo. Ela se refere a ironia, quando não há nenhuma. E sarcasmo é sempre um erro em um e-mail, especialmente se você está tentando chegar a algum lugar.

A lição seguinte é que não tem problema para um CEO ser grosso com um cliente. O cliente nem sempre precisa ser o rei, especialmente quando está se comportando como um pirralho mimado e maçante. Contanto que a descortesia não envolva a perda de dignidade e não esteja sendo usada, ao estilo de Michael O'Leary, como um truque cansativo para conseguir atenção para a Ryanair, tudo bem. Além disso, nesse caso em particular, a irritação de Jobs era de interesse público. Ele estava deixando claro, embora de uma maneira heterodoxa, quais são as prioridades da Apple. Se eu fosse acionista da empresa, ficaria tranquila em saber que ajudar Chelsea não está entre elas.

Essa ideia precisa ser transmitida com dureza, porque os estudantes modernos simplesmente não entendem. Frequentemente recebo e-mails deles dizendo: "Estou fazendo um trabalho sobre marketing. Você poderia, por favor, me enviar tudo o que escreveu sobre o assunto?" Da próxima vez vou dizer: "Não, não posso. Não é o meu trabalho fazer isso".

Quando Jobs era estudante, se precisasse de ajuda, ouso dizer que ele faria o que todos fazíamos então: pedir a um professor ou tentar resolver o problema por conta própria. Mas a geração de Chelsea vem sendo ludibriada pelo movimento da autoestima, que a faz acreditar que seu desenvolvimento é uma questão de interesse geral, e também ludibriada mais um pouco pela internet, que ensinou que o mundo é democrático e que se pode ter tudo na hora.
Infelizmente, essas crenças estão tão enraizadas que as mensagens contundentes de Jobs não impressionaram ninguém: na semana passada, Chelsea, ainda indignada, esperava que o ocupado presidente de uma das mais extraordinárias empresas do mundo lhe pedisse desculpas. "Não tenho nada contra ele", dizia ela magnânima. "Espero que ele me ligue."

Acho que ela terá que esperar uma eternidade por essa ligação e, enquanto isso, vai crescer, conseguir um emprego, descobrir que a vida profissional não é uma democracia, que existe uma hierarquia e que ter um pouco de humildade é uma boa maneira de se começar.

Lucy Kellaway é colunista do "Financial Times". Sua coluna é publicada às segundas-feiras na editoria de Carreira


Fontehttp://www.robertogoldstajn.com.br

Nenhum comentário:

Postar um comentário