A multiplicação de novas ferramentas de comunicação a partir da internet está transformando os modos de consumo e usos de objetos do cotidiano, bens e serviços. A afirmação é do especialista em comportamento do consumidor, o francês Dominique Desjeux, professor de antropologia social e cultural da Universidade de Sorbonne, em Paris.
O antropólogo, observador atento do cotidiano, realiza pesquisas com consumidores desde os anos 1980. Além da Europa, China e Brasil são os países onde ele emprega seus métodos de pesquisa, que têm como objetivo reunir informações e reflexões sobre questionamentos do marketing, tanto para a esfera acadêmica quanto empresarial.
“Vou à cozinha, ao banheiro, à sala e ao quarto para observar e discutir com as pessoas como os objetos são utilizados”, revela.
Desjeux concedeu uma entrevista exclusiva ao Nós da Comunicação, realizada no Rio de Janeiro, durante sua participação no II Encontro Internacional Cátedra L´Oréal de Comportamento do Consumidor, promovido pelo Instituto Coppead/UFRJ.
Desjeux concedeu uma entrevista exclusiva ao Nós da Comunicação, realizada no Rio de Janeiro, durante sua participação no II Encontro Internacional Cátedra L´Oréal de Comportamento do Consumidor, promovido pelo Instituto Coppead/UFRJ.
O antropólogo revela que cada cultura apresenta suas particularidades, que influenciam nas tomadas de decisões das pesquisas encomendadas por grandes corporações de diversos setores, incluindo desde companhias de eletricidade a grandes marcas de maquiagem.
Nós da Comunicação - Você é especialista no comportamento do consumidor. Qual é o foco de suas pesquisas?
Dominique Desjeux - Comecei na área de pesquisas por acaso. Trabalhei durante oito anos na África, em Madagascar, quando retornei à França, em 1979, onde fiquei desempregado por dois anos. Um dia, um amigo me perguntou: será que você conhece marketing? Eu respondi: conheço a palavra, mas não sei o que é. Foi quando comecei a trabalhar com pesquisa. Meu principal foco é trabalhar sobre a prática. É como etnologia. É necessário olhar como as pessoas utilizam os objetos dispostos no banheiro e na cozinha, por exemplo. Eu vou à cozinha, ao banheiro, à sala e ao quarto para observar os objetos e discutir com as pessoas suas utilidades.
Nós da Comunicação - Podemos dizer que você é um observador do cotidiano?
D.D. - Exatamente. Faço uma antropologia, uma sociologia do cotidiano. Em 1990, acrescentei uma segunda abordagem ao meu trabalho sobre consumo. Transferi o que havia aprendido em sociologia de organizações para o sistema da família. Não pesquiso muito o comportamento de compras. Isso é apenas uma parte. Minha referência é, sobretudo, a família, por funcionar como um sistema que utiliza produtos. Quero saber o que leva uma família a consumi-los.
O UNIVERSO DAS PESQUISAS COMPARATIVAS
Nós da Comunicação – Como observa esse comportamento na França e como é sua atuação em campo?
D.D. – Quando estou na França, geralmente trabalho com contrato. Por exemplo, posso prestar serviços à EDF (Eletricité de France) e realizar um estudo sobre eletricidade na vida cotidiana dos franceses. Monto uma equipe e desenvolvo um projeto para propor à EDF que nos financie a pesquisa como uma sociedade privada. Geralmente, recrutamos aproximadamente 20 freelances, principalmente pesquisadores da classe média, moradores de Paris, da serra e do balneário, para termos três modos de utilização do aquecedor elétrico, por exemplo. Na França, a eletricidade é muita utilizada via aquecedor. Depois disso, vamos às casas das pessoas para investigar.
Nós da Comunicação – Nesse caso, que métodos você emprega numa observação sobre o uso da eletricidade?
D.D. – Fazemos entrevistas que podem durar entre 1h30 e 3h. Realizamos em duas etapas: a primeira delas é o que chamamos de história de vida. Perguntamos às pessoas quais são as lembranças do uso da eletricidade desde a infância e observamos como foi a evolução. Depois, visitamos todos os cômodos da casa. Olhamos, por exemplo, se as luzes são de néon, se há sistema de aquecimento elétrico, discutimos sobre as tomadas e verificamos quais são os objetos elétricos da casa.
Abordamos, também, as discussões ocorridas no seio da família em torno do uso da eletricidade. Por exemplo, com o alto custo do serviço, a questão é sempre uma batalha entre pais e filhos. Os pais pedem para desligar a luz, mas as crianças não levam a sério. Ou então, vamos encontrar uma batalha em torno da música, já que os jovens costumam escutá-la em volume muito alto. E mais: percebemos que, muitas vezes, o uso de um produto não é feito simplesmente por prazer, mas tem função social. Há 10 anos, havia diversos fios atrás da televisão para o videocassete e todos os objetos elétricos. Já foi desenvolvido um sistema que agrupa tudo isso. Ao observarmos os problemas do cotidiano, encontramos soluções para adaptar o espaço doméstico.
Nós da Comunicação – Como você estabelece o método de comparação?
D.D. – Procuro não desenvolver muitas hipóteses. Eu sei que, independente de qual seja o país, falamos da casa das pessoas e do deslocamento para fazer compras, seja a pé, de carro ou de barco. Elas voltam para casa e arrumam os objetos para consumi-los. São etapas. E em cada país, se encontramos as mesmas etapas, fazemos a comparação. Se observarmos a questão do deslocamento, por exemplo, podemos dizer que, na Tailândia, parte das pessoas faz compras de barco. Na China, por sua vez, podem ser feitas de bicicleta. Na Suécia, parte da população prefere ir de carro. Na Dinamarca, metade dos consumidores vai às compras a pé. A partir desse aspecto, vemos que há diferentes meios de fazer compras. É uma informação importante. Se as pessoas fazem compras a pé, levam poucas coisas para casa. No caso do carro, podem comprar muitas coisas. Essa etapa mostra a maneira como as pessoas vão às compras. Em seguida, observamos a cozinha. Na China, as pessoas comem com palito. Na Europa, com garfo. Na África, é a vez da colher. Fazemos a comparação e observamos as etapas.
Em cada situação, analisamos o que é permitido, o que é proibido e o que se deve fazer em função da cultura. Na França, por exemplo, se analisamos a mesma etapa do almoço, sabemos que os franceses não devem comer com as mãos. É proibido. No Senegal, já é permitido comer arroz com peixe usando os dedos, porque é uma questão cultural. Em cada situação, busco sempre comparar com base nas minhas etapas.
Nós da Comunicação – Quais são seus objetivos com o método empregado?
D.D. – Queremos ter conhecimento e compreensão de como funciona a sociedade. O segundo ponto é mais interessante, pois é como se difunde a informação e mostra, de forma prática, se uma empresa vai poder ou não entrar em um novo mercado. Se vendo vinho e sou francês, sei que o meu produto encontrará dificuldades para ser vendido no exterior, exceto se for da marca Bordeaux. Isso porque o vinho francês está muito atrelado ao terroir. Os vinhos americano, australiano e chileno são de cépage. A diversidade é igual. Vou explicar aos franceses que se querem vender vinho na China, na Austrália, no Chile ou no Brasil, é necessário que mudem o sistema de apresentação do vinho. Para um francês, é terrível pensar em cépage, porque é uma grande heresia para ele. Mas a empresa precisa estar consciente dessa idiossincrasia do mercado se quiser exportar. Em breve, vou à China para trabalhar com chineses e chilenos essa questão no mercado de vinhos chinês.
LEIA MAIS NO NÓS DA COMUNICAÇÃO
Nós da Comunicação - Você é especialista no comportamento do consumidor. Qual é o foco de suas pesquisas?
Dominique Desjeux - Comecei na área de pesquisas por acaso. Trabalhei durante oito anos na África, em Madagascar, quando retornei à França, em 1979, onde fiquei desempregado por dois anos. Um dia, um amigo me perguntou: será que você conhece marketing? Eu respondi: conheço a palavra, mas não sei o que é. Foi quando comecei a trabalhar com pesquisa. Meu principal foco é trabalhar sobre a prática. É como etnologia. É necessário olhar como as pessoas utilizam os objetos dispostos no banheiro e na cozinha, por exemplo. Eu vou à cozinha, ao banheiro, à sala e ao quarto para observar os objetos e discutir com as pessoas suas utilidades.
Nós da Comunicação - Podemos dizer que você é um observador do cotidiano?
D.D. - Exatamente. Faço uma antropologia, uma sociologia do cotidiano. Em 1990, acrescentei uma segunda abordagem ao meu trabalho sobre consumo. Transferi o que havia aprendido em sociologia de organizações para o sistema da família. Não pesquiso muito o comportamento de compras. Isso é apenas uma parte. Minha referência é, sobretudo, a família, por funcionar como um sistema que utiliza produtos. Quero saber o que leva uma família a consumi-los.
O UNIVERSO DAS PESQUISAS COMPARATIVAS
Nós da Comunicação – Como observa esse comportamento na França e como é sua atuação em campo?
D.D. – Quando estou na França, geralmente trabalho com contrato. Por exemplo, posso prestar serviços à EDF (Eletricité de France) e realizar um estudo sobre eletricidade na vida cotidiana dos franceses. Monto uma equipe e desenvolvo um projeto para propor à EDF que nos financie a pesquisa como uma sociedade privada. Geralmente, recrutamos aproximadamente 20 freelances, principalmente pesquisadores da classe média, moradores de Paris, da serra e do balneário, para termos três modos de utilização do aquecedor elétrico, por exemplo. Na França, a eletricidade é muita utilizada via aquecedor. Depois disso, vamos às casas das pessoas para investigar.
Nós da Comunicação – Nesse caso, que métodos você emprega numa observação sobre o uso da eletricidade?
D.D. – Fazemos entrevistas que podem durar entre 1h30 e 3h. Realizamos em duas etapas: a primeira delas é o que chamamos de história de vida. Perguntamos às pessoas quais são as lembranças do uso da eletricidade desde a infância e observamos como foi a evolução. Depois, visitamos todos os cômodos da casa. Olhamos, por exemplo, se as luzes são de néon, se há sistema de aquecimento elétrico, discutimos sobre as tomadas e verificamos quais são os objetos elétricos da casa.
Abordamos, também, as discussões ocorridas no seio da família em torno do uso da eletricidade. Por exemplo, com o alto custo do serviço, a questão é sempre uma batalha entre pais e filhos. Os pais pedem para desligar a luz, mas as crianças não levam a sério. Ou então, vamos encontrar uma batalha em torno da música, já que os jovens costumam escutá-la em volume muito alto. E mais: percebemos que, muitas vezes, o uso de um produto não é feito simplesmente por prazer, mas tem função social. Há 10 anos, havia diversos fios atrás da televisão para o videocassete e todos os objetos elétricos. Já foi desenvolvido um sistema que agrupa tudo isso. Ao observarmos os problemas do cotidiano, encontramos soluções para adaptar o espaço doméstico.
Nós da Comunicação – Como você estabelece o método de comparação?
D.D. – Procuro não desenvolver muitas hipóteses. Eu sei que, independente de qual seja o país, falamos da casa das pessoas e do deslocamento para fazer compras, seja a pé, de carro ou de barco. Elas voltam para casa e arrumam os objetos para consumi-los. São etapas. E em cada país, se encontramos as mesmas etapas, fazemos a comparação. Se observarmos a questão do deslocamento, por exemplo, podemos dizer que, na Tailândia, parte das pessoas faz compras de barco. Na China, por sua vez, podem ser feitas de bicicleta. Na Suécia, parte da população prefere ir de carro. Na Dinamarca, metade dos consumidores vai às compras a pé. A partir desse aspecto, vemos que há diferentes meios de fazer compras. É uma informação importante. Se as pessoas fazem compras a pé, levam poucas coisas para casa. No caso do carro, podem comprar muitas coisas. Essa etapa mostra a maneira como as pessoas vão às compras. Em seguida, observamos a cozinha. Na China, as pessoas comem com palito. Na Europa, com garfo. Na África, é a vez da colher. Fazemos a comparação e observamos as etapas.
Em cada situação, analisamos o que é permitido, o que é proibido e o que se deve fazer em função da cultura. Na França, por exemplo, se analisamos a mesma etapa do almoço, sabemos que os franceses não devem comer com as mãos. É proibido. No Senegal, já é permitido comer arroz com peixe usando os dedos, porque é uma questão cultural. Em cada situação, busco sempre comparar com base nas minhas etapas.
Nós da Comunicação – Quais são seus objetivos com o método empregado?
D.D. – Queremos ter conhecimento e compreensão de como funciona a sociedade. O segundo ponto é mais interessante, pois é como se difunde a informação e mostra, de forma prática, se uma empresa vai poder ou não entrar em um novo mercado. Se vendo vinho e sou francês, sei que o meu produto encontrará dificuldades para ser vendido no exterior, exceto se for da marca Bordeaux. Isso porque o vinho francês está muito atrelado ao terroir. Os vinhos americano, australiano e chileno são de cépage. A diversidade é igual. Vou explicar aos franceses que se querem vender vinho na China, na Austrália, no Chile ou no Brasil, é necessário que mudem o sistema de apresentação do vinho. Para um francês, é terrível pensar em cépage, porque é uma grande heresia para ele. Mas a empresa precisa estar consciente dessa idiossincrasia do mercado se quiser exportar. Em breve, vou à China para trabalhar com chineses e chilenos essa questão no mercado de vinhos chinês.
LEIA MAIS NO NÓS DA COMUNICAÇÃO
Nenhum comentário:
Postar um comentário