É com grande prazer que reproduzo aqui no blog ambiente de aprendizagem a entrevista exclusiva ao foco em gerações realizada por Manoela Mesquita a Luli Radfahrer - @radfahrer , Ph.D em comunicação digital pela ECA-USP, onde também é professor há quase 20 anos.
Você é professor há algum tempo e deu aulas para pessoas de diferentes gerações, que nasceram antes e depois do boom tecnológico. Que diferenças você enxerga entre elas?
Acho importante deixar claro o que define uma geração. Há até pouco tempo, era a idade que fazia essa demarcação, já que o mundo mudava pouco e quem tinha vivido mais tempo, tinha mais experiência.
Hoje o que demarca é a informação. Tenho alunos que parecem ser muito mais velhos do que eu, quando na verdade eu é que tenho o dobro da idade deles. A capacidade que você tem de estar aberto a novas informações e rever sua visão de mundo é o que delineia a diferença de gerações de hoje.
Então, a mudança se refere a quanto o indivíduo acredita que as coisas são sólidas ou estão em constante transformação. Essa geração de pessoas mais abertas é também mais questionadora, mas não como nos anos 60, quando se rebelavam contra o sistema. Hoje eles querem entender o que está acontecendo e porque as coisas são como são.
Você não nasceu com a tecnologia, é de outra geração. Acredita que seu interesse e conhecimento pelo assunto o aproximam dessa geração que nasceu plugada, ou se sente diferente por não ser um “nativo digital”?
Eu brinco que a melhor definição de “tio” é o que não entende o mundo em que está. Hoje existe o “retro-tio” e o “cyber tio”. O “retro-tio” é aquele que acha que não houve produção musical depois de Miles Davis e usa terno de três peças. O “cyber tio” é o que se separou da mulher, comprou um carro conversível vermelho, vai pra balada e acha que não existia música antes de Chemical Brothers.
Os dois são estúpidos, um porque não reconhece o legado e outro que não reconhece a mudança. Eu continuo em busca de novidades. Tem muita gente que entra na área digital, tenta se acostumar com isso e se acomoda. Essas pessoas, em 1998, eram modernas e hoje voltaram a ser antiquadas. Eu tenho a mesma inquietude de quem está entrando numa área nova, mas continuo me atualizando.
Isso torna a qualidade da minha relação com essa geração melhor, mas com a vantagem de poder lembrar fatos que eles não viveram e misturar com a atualidade. Mas claro, muitas vezes sou atropelado pela tecnologia porque não imaginava que algo aconteceria e, de repente, acontece.
Muito se discute sobre a dificuldade de motivar e prender a atenção da geração atual. Você, como professor, sente dificuldade em manter seus alunos concentrados?
Se você não busca evoluir, avançar e espera que tudo chegue pronto, é claro que não consegue motivar ninguém. É como em qualquer emprego, depois de 12 anos começa a achar tudo chato e anda devagar.
Como motivar essa moçada? Mostrando novidades. Não adianta ensinar Platão se você não conecta isso com alguma coisa relevante pro dia a dia. É muito fácil se queixar que o jovem não presta atenção. Mas como se explica que ele passa 16 horas num videogame de imersão? Lê Harry Poter em um dia e meio? Esse cara tem atenção, mas há algo errado com as pessoas que não conseguem atraí-la.
Recentemente, a Universidade de Stanford publicou uma pesquisa sobre essa geração, conhecida como multitarefa, revelando que, na verdade, quem faz muitas atividades ao mesmo tempo, não faz nada direito ou com profundidade. Você considera a geração de hoje superficial, tanto em suas relações quanto em conhecimento?
Isso é o que eu chamo de “atenção parcial constante”, e que antigamente chamavam de “Distúrbio de Déficit de Atenção” ou hiperatividade. A pessoa tem atenção parcial em várias tarefas, como a mãe que conversa com um filho de olho no outro. Mas é muito fácil falar dessa nova geração.
Na década de 40 não havia internet e vai ver se o profissional produzia 100% do tempo furiosamente. Claro que não! Ele passava oito horas ou menos no trabalho, produzia pouco e se dispersava menos. Hoje as pessoas passam muito tempo no trabalho, se dispersam muito, mas produzem da mesma forma.
É muito fácil dizer que o jovem é isso ou aquilo, mas antes os jovens se dispersavam de outras formas, conversando com os colegas, tomando café. Isso é natural do ser humano, a única diferença é que as pessoas precisam estabelecer um ritmo de convívio online.
Em seu livro A Arte da Guerra para quem Mexeu no Queijo do Pai Rico você critica o modo de vida das corporações, principalmente sua forma de comunicação. Quais, em sua opinião, são os pontos fracos das companhias de hoje?
Antigamente você fazia de tudo para passar num concurso público e nunca mais se preocupar em pensar. Hoje o indivíduo faz isso quando passa num programa de trainee de uma empresa grande, ele batalha para entrar e faz qualquer coisa para não sair.
Arranja um emprego e não quer crescer mais, o que não cria uma meritocracia, mas sim uma “mediocracia”. Tem muita coisa torta hoje e acredito que um ambiente digital permite que elas melhorem, sejam mais visíveis. Mas não se pode dizer que em vinte anos toda a forma de pensar mudou.
Mas você acredita que o problema está na estrutura das empresas ou nos próprios profissionais?
Nas duas coisas, na relação de comodidade dos dois lados. O sujeito faz de tudo para não sair de lá, a corporação percebe que ele está cômodo, mas não muda. É uma relação extremamente viciada, mas confortável.
Quantas vezes as promoções são feitas por mérito? Quase nunca.
Quanta gente não odeia o trabalho? E se todo mundo odeia o trabalho, é claro que o problema está nele.
Você acredita que os processos tradicionais das companhias contribuem para a pouca adesão dos jovens, que não conseguem mais ficar muito tempo num mesmo emprego, buscando sempre novas oportunidades?
O jovem fica no máximo 18 meses, quando tem trabalho, pois as empresas não estão sabendo se renovar. Ele chega com vontade, não acredita em pragmatismo, quer propor inovação e cada ideia nova é massacrada, fazendo-o perceber que ali não é seu lugar.
O jovem não está indo embora de país ou para a criminalidade, ele está indo embora, pois enxerga que aquilo não é bom para sua vida e vai tentar outra coisa.
Até que vira pai de família, vê que é tudo a mesma coisa e se estabiliza num lugar, extremamente decepcionado. O que vemos hoje e que é um ponto positivo é que está havendo um surto de empreendedorismo, pois muitos percebem que o sistema está torto e vão procurar fazer diferente, melhor.
O grande problema nas empresas é que ainda existe o pensamento de que em time que está ganhando não se mexe ou de seguir as boas práticas de mercado, em que se copia o que deu certo com o outro. As empresas precisam criar e não copiar o que já funcionou com o concorrente, caso contrário ela quebra.
O que você sugere como alternativa a essas empresas, como forma de atrair mais os jovens para que permaneçam nelas mais tempo?
Tentar entender onde ela está. Quando empresas surgiram nos anos 40, 50, surgiram de uma ideia, de uma paixão, e se tornaram enormes. Empresas como Apple se reinventam o tempo todo e são admiradas. A Apple não faz grandes produtos, mas sempre tenta fazer um negócio diferente e todo mundo a remunera pela coragem de tentar.
Se uma empresa quiser realmente sobreviver, ganhar mercado, ela precisa investir em pesquisa, compreender o que o público quer e apostar nessa relação. É preciso sempre se reestruturar, se fortalecer e jogar fora pessoas que não fazem absolutamente nada. Se uma empresa tem 300 pessoas no RH ela tem problemas, aliás, se tem mais de quatro pessoas no RH, tem alguma coisa torta.
No livro, você critica a necessidade de todos terem de ser líderes. Gostaria que explicasse os males que isso traz aos profissionais, por que exatamente pensa que esse é um método falho?Como você pode ter uma empresa onde 100% das pessoas são líderes?
Esse sistema é torto.
Se você tem quarenta pessoas em uma empresa, não pode ter quarenta líderes. Se você é aquele cara apaixonado e realmente quer ser um líder e trabalhar o dobro tudo bem, mas você tem que querer isso.
A liderança não deveria ser melhor remunerada, deveria ser de acordo com o que a pessoa quer. Isso ser uma condição para progredir é errado, pois você pega alguém que está a mais tempo na empresa e sobe pragmaticamente, assim como no governo.
Quanto ao processo educacional, você acha que ainda existe um gap muito grande entre a universidade e o mercado? Existe uma forma de a universidade preparar melhor seus alunos para que esse processo seja mais fácil?
A universidade não é curso de adestramento.
Quem disse que ela deve preparar um profissional para as empresas?
Eu concordo que está cheia de problemas e é uma das instituições mais arcaicas que existe. Mas, tanto os estudantes quanto as empresas, precisam entender que a universidade deve fazer com que eles pensem de forma universal, consigam inserir suas profissões em um cenário global.
A universidade vai te ensinar a fazer perguntas que ajudarão a entender qual é a inovação.
O resto é curso de treinamento que deve ser feito fora da universidade. Se você tem problema em achar estudante para colocar na sua vaga, o problema está na sua vaga. A empresa precisa entender qual o problema e suprir isso, seja financiando a área de pesquisa de uma universidade, seja trabalhando com um mercado de treinamento em que ela pega o aluno da universidade pelo que ele tem de melhor.
Eu não tenho que enquadrar a forma do jovem pensar e sim tentar aproveitar o lado bom disso, pois ele é mais do que uma máquina de somar, multiplicar, fazer relatório e participar de reunião.
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