“Ainda não existe uma consciência sobre a educação não formal no país, um reconhecimento”, afirma a professora da Faculdade de Educação da Universidade de Campinas (Unicamp), Maria da Glória Gohn. Autora do livro “Educação Não Formal e o Educador Social: Atuação no Desenvolvimento de Projetos Sociais”, ela diz que ainda há resistência das pessoas contra a educação não formal, imaginando que as escolas perderiam “poder”.
Em sua obra, Maria da Glória esclarece que educação formal é aquela desenvolvida nas escolas, via disciplinas normatizadas. A educação informal é caracterizada pelo aprendizado que o indivíduo assimila no local onde nasce e mora, por meio da família, religião, clube etc.
Já a educação não formal busca formar para a cidadania. Nela, aprende-se no “mundo da vida”, via os processos de compartilhamento de experiências, principalmente em ações e espaços coletivos cotidianos.
Em entrevista ao Portal Aprendiz, Maria da Glória ressalta que a defasagem no ensino formal impede um olhar do poder público para a educação não formal.
Portal Aprendiz - Como a educação não formal contribui para a produção do saber?
Maria da Glória Gohn - Contribui na medida em que ela está presente nos campos que o indivíduo atua como cidadão. A concepção de educação não formal parte do suposto que a educação é um conjunto, uma somatória e articulação entre a educação formal, a informal e a não formal propriamente dita. Esta tem uma área própria, embora possa se articular com as outras duas. São aprendizados gerados ao longo da vida por experiências de participação em determinados processos.
Aprendiz - No que ela difere da educação integral?
Maria da Glória - A educação integral não foca em cruzamentos e articulações. Acaba sendo um conceito muito vinculado a habilidades necessárias a serem adquiridas para dar conta das adversidades da vida. Enquanto isso, a educação não formal está em um campo mais amplo, que advém de uma formação voltada para a cidadania. Coloca a questão dos valores, a importância de pensar a inovação e a criatividade. Com isso, retorna a temática da emancipação humana.
Aprendiz - Onde se desenvolvem as práticas de educação não formal?
Maria da Glória - Em locais onde há processos interativos que sempre têm uma intencionalidade. Poderá ocorrer no interior de um movimento social, entre aqueles que estão lá participando e reivindicando. Pode-se citar o movimento das mulheres, por meio do qual resultou em conquistas nas discussões sobre o lugar da mulher na sociedade. No caso de projetos sociais de ONGs, também tem um processo de aprendizagem, de diálogo, de gestão e de uma forma compartilhada de atuação.
Aprendiz - Qual é o papel do educador que atua nesse campo?
Maria da Glória - O papel é extremamente importante, porque sem a existência deles, simplesmente os projetos não existiriam. Muitas vezes não há uma programação e organização nos projetos como na escola, onde existem horários e as estruturas são disciplinadas por lei. O perfil desse profissional mudou um pouco com relação ao que tínhamos antes, que era a filantropia, o voluntariado assistencialista, o trabalho ocasional, mais ligado às mães ou a quem já se aposentou. Agora, temos uma parcela grande que é contratada para atuar profissionalmente.
Aprendiz - Qual é o cenário da educação não formal no Brasil?
Maria da Glória - Se você tem a oportunidade de explicar o que é a educação não formal, as pessoas concordam com a importância. Mas acho que ainda não existe uma consciência sobre o assunto, um reconhecimento. Pensar sobre isso é algo novo, do final dos anos 90 para este século. E até hoje há muita resistência, pessoas achando que é coisa das ONGs e que são projetos que viriam para diminuir o “poder” das escolas.
Aprendiz - O Estado tem feito algo por essa educação? Há políticas públicas pensadas para isso?
Maria da Glória - Se há um olhar para isso, não é feito como deveria. As carências na educação formal são tão alarmantes – fazem projetos e ainda vemos os absurdos no setor educacional todo o dia – que acaba quase que monopolizando a agenda das políticas públicas. Estive em Brasília (DF) durante a Conae [Conferência Nacional de Educação], em março, e o que se viu foi a participação de educadores da escola formal e pouco da não formal. A Unesco foi quem abriu algumas janelas a esse respeito. Quando se olha para a violência e as drogas, por exemplo, como você pretende trabalhar isso? Nas escolas, a partir das estruturas curriculares que temos, sem trabalhar com educação não formal, eu não vejo saída.
Aprendiz - Como investir para desenvolver a educação não formal?
Maria da Glória - Investir nas políticas públicas não seria questão só para o Ministério da Educação (MEC). Acho que no campo da saúde, por exemplo, a educação tem uma força transformadora muito grande. No plano da sociedade, os meios de comunicação poderiam fazer algo. Quando vemos um canal apresentar projetos sociais, há um recorte que mostra o herói que venceu na vida. O caráter educativo, então, fica diminuído à medida que ao invés de contar os processos, como um grupo se articulou para implementar algo, você começa a contar a historia da Dona Maria e os esforços dela.
Aprendiz - Uma das ações do Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE) foi criar o Programa Mais Educação para induzir o ensino integral público. Qual é sua opinião sobre?
Maria da Glória - Acho que no Brasil não se constrói muito políticas publicas para fincar raízes como políticas de Estado. Então, elas são sempre políticas de governo. O Mais Educação não podia ser tão pontual, feito apenas em algumas escolas. Deveria ter diretrizes mais gerais. Acaba caindo no aspecto de que a educação integral é para suprir algumas coisas que o ensino formal não está fazendo. O caminho para a educação não formal deve ultrapassar essa idéia. O programa poderá ter resultados, mas acho que ainda falta muito para que atinja efetivamente os objetivos. É preciso um debate mais aberto.
Fonte: http://aprendiz.uol.com.br
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