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domingo, 30 de maio de 2010

Eleições e liberdade na web

André Hees

A Associação Nacional de Jornais (ANJ) promoveu no início do mês, em Brasília, um encontro entre juristas e jornalistas para debater as novas regras eleitorais e os limites para a cobertura da imprensa. Participaram da mesa advogados, ministros do TSE, colunistas e dirigentes dos principais veículos de comunicação do país. E a avaliação predominante é a de que o Brasil ainda enfrenta dificuldades para assimilar plenamente o conceito de liberdade de expressão.

A nova lei eleitoral, especialmente quando tenta regular o fluxo de informações na internet, é praticamente impossível de ser aplicada, além de revelar o desconhecimento do legislador sobre o tema.

A chamada minirreforma eleitoral, a Lei 12.034/2009, estabelece, por exemplo, no Artigo 57, que é livre a manifestação do pensamento, e "vedado o anonimato durante a campanha eleitoral, por meio da rede mundial de computadores - internet". A lei prevê ainda que um provedor de conteúdo poderá ser responsabilizado pela divulgação de um comentário de internauta que venha a ser considerado ofensivo, durante a campanha. No limite máximo da punição, o provedor estará sujeito até a suspensão do acesso, por 24 horas, a todo o seu conteúdo informativo.

O Artigo 57 está fundamentado no Artigo 5º da Constituição, que também veda o anonimato. Só que a norma, principalmente se aplicada à internet, chega a ser risível: o anonimato faz parte da paisagem da rede, gostemos ou não. A tentativa de controlar o debate parece ter raízes num autoritarismo atávico, como se a liberdade fosse uma outorga do Estado, que precisaria estabelecer as raias para o seu exercício.

O jornalista Fernando Rodrigues, colunista da "Folha de S. Paulo", lembrou que, nos Estados Unidos, há milhões de sites contra Barack Obama e contra John McCain. Na campanha eleitoral, Obama - que se revelou mais competente nesse terreno, em especial - utilizava os seus sites para rebater os ataques dos adversários, e sua equipe tinha estratégias para fazer as suas respostas ganharem visibilidade nos sites de busca, quando determinado assunto fosse pesquisado. Mas ninguém cogitava tirar sites do ar. Prevalece lá o espírito da Primeira Emenda: "O Congresso não legislará sobre liberdade de imprensa" - o que não significa que os veículos não tenham responsabilidade civil e criminal pelo que publicam.

"A tradição aqui é tentar censurar. O Brasil não tem uma cultura de liberdade de expressão. É melhor reconhecer o problema do que fazer de conta que ele não existe. Há muita incompreensão sobre o trabalho da mídia. No caso da internet, o Brasil tem 65 milhões de internautas. É possível abrir um site no Paraguai ou na Tailândia e acessá-lo daqui. É constrangedor, mas o legislador não sabe bem como funciona: você pode acessar um site e postar um comentário com um nome falso ou pode querer permanecer anônimo. É um direito do internauta, e é da natureza da internet. A lei não está de acordo com a realidade e nos coloca diante de um enorme ponto de interrogação", disse o jornalista, em debate realizado no dia 7 passado, no auditório do "Correio Braziliense."

Paulo Rossi, editor do On Line do "Correio", destacou as dezenas de comentários que são postados diariamente no site, com mensagens do tipo: "Não vote em Dilma porque ela é subversiva" ou "Não vote em Serra porque ele participou das privatizações e aquilo foi um roubo". Tentar controlar a rede pode provocar uma chuva de reclamações judiciais, de difícil identificação de fontes e provas.

O ministro Henrique Neves, do TSE, ponderou, contudo, que, boa ou má, a lei existe e deve ser observada, até que o Supremo Tribunal Federal venha eventualmente a considerá-la inconstitucional. Ele acrescentou que a vedação do anonimato teria o objetivo de dar ao ofendido a possibilidade de identificar o ofensor, para a apresentação de suas argumentações: "Essa judicialização não é ruim de todo porque alguém precisa dizer o que é certo e errado. Esses desafios todos também ocorrem com a pedofilia, por exemplo."

Talvez, mas não se trata aqui de direito criminal, e sim de direito de opinião. O presidente Lula, felizmente, vetou o trecho da Lei 12.034 que equiparava a web ao rádio e à TV, no que diz respeito a debates eleitorais, o que tornaria a lei ainda mais absurda. Rádio e TV são concessões públicas, e a postura do internauta, como se sabe, é completamente diferente da de ouvintes e telespectadores, que são passivos diante do conteúdo. O internauta, ao contrário, tem a iniciativa de buscar o site que deseja e interfere diretamente no conteúdo, com comentários, críticas e colaborações - além de poder se transformar ele próprio num veículo informativo, ao criar um blog ou site. São dois mundos distintos.

Apesar do veto parcial, permaneceram na lei as outras normas que tentam regular o debate político na rede. O diretor de Conteúdo do Grupo Estado, Ricardo Gandour, assinalou que os recorrentes excessos na tentativa de controle da informação infantilizam a sociedade: "A imprensa tem também a função de provocar certo desequilíbrio, e a sociedade deve ser livre para se informar. Não podemos confundir crescimento econômico, ascensão social, surgimento da classe C, com desenvolvimento. Temos que ter tensão e desequilíbrio para ter liberdade. Se você ergue muros e tenta controlar a circulação de informações você gera uma sociedade infantilizada."

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A imprensa tem, de fato, o papel de refletir a agenda pública de discussões, com todas as suas contradições e diversidades, de forma crítica e independente, provocando desequilíbrio e incômodo. O ex-presidente Fernando Henrique - que foi muito atacado em sua gestão, apesar de alguns não se lembrarem - falou certa vez na "função irritante" da imprensa.

No final das contas, o debate revela um certo despreparo do Congresso, o seu distanciamento do mundo real e uma cultura política que ainda não se libertou totalmente da tentação autoritária, mesmo depois de 25 anos de redemocratização. Mas avançamos a cada eleição.

André Hees é jornalista ahees@redegazeta.com.br

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