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quarta-feira, 24 de junho de 2009

O diploma e a missão

Diante de olhares assustados com o fim do diploma, é bom ter um pouco de calma e refletir sobre o valor do conhecimento, da profissão e de nossa responsabilidade como cidadão, estudante ou profissional. O artigo de hoje do Andrés Hess, Editor do Jornal A Gazeta do Espírito Santo, apresenta um bom contexto para quem deseja ser um profissional atualizado. Boa leitura.


André Hees

O fim da exigência do diploma para a profissão de jornalista não é o fim do mundo. Para o leitor, pouca coisa deve mudar: as empresas de comunicação vão continuar buscando os melhores profissionais. As faculdades de Jornalismo continuam sendo o melhor caminho para quem quer seguir a carreira. Não há ameaça à liberdade de expressão, nem à qualidade da informação, nem retrocesso institucional, como afirma em nota oficial a Fenaj, a Federação Nacional dos Jornalistas. Pelo contrário.

A exigência do diploma não é uma “conquista social de mais de 40 anos”, como diz a Fenaj. A exigência era baseada num decreto da ditadura militar, o Decreto-lei 972, de 17 de outubro de 1969, em plena vigência do AI-5, período mais violento do regime. Na época, nem havia ambiente político para grandes reivindicações sociais. O objetivo do decreto, na verdade, era limitar o exercício da profissão.

A Fenaj diz ainda que a decisão representa “um atrelamento do STF ao baronato que controla os meios de comunicação”. Uma visão sectária.

Para ficar num exemplo, talvez o mais emblemático: o vice-presidente da Globo, João Roberto Marinho, já disse que a sua rede vai continuar a buscar nas escolas de Comunicação Social os seus profissionais de jornalismo. “Nada mudará para as Organizações Globo, quaisquer que sejam as interpretações sobre a decisão do Supremo. As escolas são os melhores centros de difusão das técnicas e dos conhecimentos necessários para que jornalistas exerçam bem suas atribuições”, disse Marinho, em comunicado lido no Jornal Nacional.

As empresas ampliam a possibilidade de ter comentaristas e especialistas de outros campos de conhecimento. A decisão do Supremo foi provocada pelo Sertesp, o Sindicato das Empresas de Rádio e Televisão de São Paulo. A Folha de S. Paulo era o jornal que mais brigava contra o diploma. Mas todos os grandes veículos, incluindo A GAZETA, possuem cursos de residência, para formandos ou recém-formados em Jornalismo. E esse continuará a ser o grande celeiro para a contratação de novos talentos.

Se a preocupação é salarial, nada impede que o sindicato da categoria continue a desempenhar o seu papel, de fiscalizar o cumprimento da lei trabalhista e lutar por um piso mais justo. Mas não é correto afirmar que o fim do diploma “ameaça as bases da democracia brasileira”. Pelo contrário.
O Brasil era um dos poucos países democráticos do mundo a fazer a exigência. Ela não existe nos Estados Unidos e em países europeus como Inglaterra, Alemanha, Portugal, França e Itália. Estados Unidos e Inglaterra, em particular, têm os melhores veículos de comunicação e as melhores escolas de jornalismo do mundo.

Em toda democracia avançada, o fundamento jurídico que sustenta a regulamentação de uma profissão, com a exigência de uma formação acadêmica específica, é a defesa da sociedade. Medicina e Engenharia são bons exemplos: nesses casos, o erro pode provocar a morte.

O Jornalismo pode matar reputações. Não é pouco, mas a lei já prevê punições para os erros. A lei também prevê punição para erros médicos, claro, mas, nesse caso, a exigência do diploma tem o objetivo de reduzir ao máximo a possibilidade de má prática. A obrigatoriedade do diploma não pode ser confundida com corporativismo e reserva de mercado.

Um jornal tem que produzir diariamente conteúdos diversos sobre assuntos como cinema, literatura, teatro, esportes, política, economia, saúde, educação, segurança, meio ambiente, ciência e tecnologia. Cada assunto é um universo. Economia inclui setores como mercado de trabalho, mercado financeiro, agronegócio, petróleo e gás. Por melhor que seja a faculdade, ela não dá conta de formar um profissional para atuar em tantas frentes. Por que alguém formado em História, Economia, Letras ou Direito não pode produzir boas reportagens?

Num modelo de formação ideal, imagino a possibilidade de um profissional estudar Artes ou Filosofia e depois buscar uma especialização de um ou dois anos em técnica de reportagem. Sempre gostei de política, sempre quis cobrir a área. Me formei em Comunicação Social e depois em Direito, ambos na Ufes. E Direito sempre me ajudou muito na profissão.

Há uns 15 anos, quando eu era foca na editoria de Cidades, entrevistei Clóvis Rossi, que participava de um seminário aqui na Gazeta. Perguntei o que ele considerava necessário para ser um bom jornalista. “Só duas coisas: saber escrever e ter bom senso para saber o que é notítica”, respondeu ele. Um exagero, sem dúvida.

Mas são muitos os exemplos de grandes profissionais da imprensa que não tiveram formação em Jornalismo. Millôr Fernandes tem só o segundo grau. Paulo Francis estudou Filosofia e começou como crítico de arte. Joelmir Beting é sociólogo. Bob Woodward e Carl Bernstein, responsáveis pelo Watergate, o maior furo mundial, não tinham diploma. A norueguesa Asne Seierstad, autora de “O Livreiro de Cabul” e “101 Dias em Bagdá” e vencedora de prêmios internacionais por cobertura de guerras, é formada em Filologia Russa.

A decisão do STF parece ter sido recebida com naturalidade na Ufes. O chefe do Departamento de Comunicação, Cleber Carminati, observou que o diploma não é garantia de jornalismo ético, e acrescentou que a educação deve ser um processo permanente. Já o diretor do Centro Acadêmico, Vinícius Altoé, disse o seguinte: “A decisão de acabar com um resquício da ditadura foi acertada. Vai ter mais peso no mercado uma formação mais completa”.

Quem investiu num curso de Comunicação não perdeu tempo nem dinheiro. Na era da web 2.0, em que os leitores se tornam cada vez mais exigentes e também participam da produção, com críticas, fotos e vídeos, o trabalho do jornalista, de apurar, informar, interpretar e analisar os fatos é ainda mais importante.

O jornalista continua tendo a missão de ajudar o leitor a navegar no meio de tanta informação, que chega por todos os meios - a missão nada simples de ajudar a entender o mundo. O diploma não é mais obrigatório, mas a boa escola, a boa formação, torna-se cada vez mais necessária.

2 comentários:

  1. Oi Ricardo,
    Acompanho com interesse essa discussão - até porque sou também jornalista.
    Muito bom o artigo do André - claro e fundamentado.
    Um grande abraço,
    Margô Dalla
    From Holand

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  2. Não entendi ainda a necessidade de acabar com a exigência do diploma. Gostaria que acabassem com a exigência do diploma para administração, contabilidade,e as demais profissões. Afinal de contas estas também não oferecem risco como a medicina.

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