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quarta-feira, 27 de maio de 2009

A crise nos telejornais e no ensino de telejornalismo

Este artigo do Professor Antônio Brasil, publicado no site do comumique-se, é extremamente competente para quem pensa o ensino de telejornalismo nas faculdades e Universidades Brasileira. Parabéns pela clareza das pontuações abaixo.

Antonio Brasil (*)

Tenho publicado diversos artigos sobre a crise nos telejornais. Após mais de meio século de hegemonia e “comodismo”, o modelo está desgastado, a audiência despenca e o público envelhece. Hoje, assistir a um telejornal é programa de velho. A TV e os telejornais, na forma como os conhecemos, têm futuro incerto. Se os responsáveis pelo seu presente não fizerem nada, a TV não terá futuro. Pode virar rádio. Não deixa de existir. Mas deixa de ser o principal meio de comunicação.

Em relação ao ensino de jornalismo de TV a situação é ainda pior. No passado, divulguei artigo que visava a analisar, apresentar soluções e provocar os responsáveis pelos nossos cursos de telejornalismo (A crise no ensino de jornalismo). Apesar das críticas do autor, o artigo era otimista.

Fiz questão de lembrar que o ideograma chinês para "crise" é a combinação de dois símbolos que significam “perigo” e “oportunidade”. Ou seja, apesar da crise, dos riscos e dos perigos podemos estar diante de uma grande “oportunidade” para melhorarmos os telejornais e o ensino de telejornalismo.

Assim como os telejornais, os cursos de jornalismo precisam mudar para sobreviver. Ao invés de cursos engessados com excesso de disciplinas de “generalidades” disfarçadas como disciplinas “humanísticas”, deveríamos permitir que os alunos de jornalismo escolhessem suas próprias “generalidades”. No atual modelo tudo é obrigatório e tudo cabe. Da Sociologia à Antropologia, da Filosofia aos cursos de Primeiros Socorros e de Defesa Pessoal, tudo é essencial para o futuro jornalista. Na visão generalista predominante, tudo é fundamental para a formação do jornalista. Tudo, menos o jornalismo.

Química e Matemática
Também creio que a ênfase excessiva em teorias de comunicação, principalmente para alunos nos primeiros períodos, é desperdício de tempo e recursos limitados e preciosos. Pior ainda. É forte motivo para um dos maiores problemas dos cursos de jornalismo: a evasão. A procura pelo glamour da profissão ainda é grande. Mas é proporcional à decepção com a maioria dos cursos. Essa evasão é ainda mais acentuada entre os melhores alunos de jornalismo. Aqueles alunos e alunas que já possuem a veia crítica, o faro jornalístico e o sentido da indignação tão típicos da nossa profissão.

Engessado e pouco criativo, o curso de jornalismo tende a valorizar os “bons” alunos. Ou seja, aqueles que cumprem tarefas teóricas e burocráticas das disciplinas “humanísticas, mas que jamais serão jornalistas. Muitos não possuem a paixão pela profissão ou pela reportagem. No formato atual, o curso de Comunicação e Jornalismo se transformou em ponto de encontro dos alunos “perdidos”. Aqueles que ainda não sabem quem são no presente ou o que querem fazer no futuro. Em comum, a única certeza: “odiamos Física, Química e Matemática”.

A Globo e a crise
Hoje, os professores de jornalismo estão sendo convidados a participar do III Seminário Temático Globo/Intercom que acontece entre 01 e 04/07, no Rio de Janeiro (ver aqui matéria do Comunique-se). “A criação e produção dos programas, as estratégias de programação e agendamento, interação editorial, a rede, as afiliadas e a cobertura especial estarão em pauta”, diz a divulgação do seminário.

Mas se a TV e o jornalismo enfrentam uma de suas maiores crises de identidade e credibilidade, imaginem o reflexo nas salas de aula. O cenário da crise na TV, no Telejornalismo e no ensino de jornalismo pode ser analisado pelas seguintes perspectivas:
1. Teoria realista. O telespectador ou/e aluno está satisfeito e não merece nada melhor.

2. Teoria pessimista. Em TV, telejornalismo e em nossas universidades nada muda e nada se cria. Tudo se copia.

3. Teoria derrotista. Não é possível “experimentação” em telejornais e nas universidades. Não iria dar certo mesmo. .

4. Teoria de desajustamento. “Trabalho ou ensino telejornalismo. Mas odeio TV, telejornais e ainda mais, alunos e telespectadores”.

5. Teoria da ignorância. “Não vi, não conheço e não gosto”.

6. Teorias importadas. É sempre mais fácil e cômodo ensinar teorias criadas em outros países e ignorar a nossa realidade e os desafios da “prática” jornalística em nosso país.

7. Teorias conspiratórias. O jornalismo e principalmente a TV são responsáveis por todos os males do mundo. O telejornalismo manipula e desinforma. A TV e o Telejornalismo não deveriam existir.

8. Teoria do saudosismo. A TV e os telejornais eram muito melhores no passado. Defesa de uma cultura ilusória, de um tempo que jamais existiu. Não há nada a fazer: o presente e o futuro serão sempre piores.

9. Teorias neoluditas. As mudanças, as novas tecnologias e principalmente as novas promessas são perigosas, vão nos decepcionar e nos aprisionar. Devem ser evitadas.

10. Teorias de desconstrução. “Sou contra as inovações. Não crio, não faço nada e não deixo ninguém fazer”.

Só se aprende fazendo
Nesse cenário, como convencer os alunos da importância e relevância do jornalismo de TV em meio a tantas notícias de perda de audiência, desinteresse dos jovens e decadência geral?
A situação é difícil. Mas, talvez, também seja uma ótima oportunidade para reavaliarmos os nossos objetivos e repensarmos nosso futuro.

O ensino de jornalismo pode e deve contribuir para a solução dessa crise.

Segundo o Prof. John Pavlik, uma das maiores autoridades no estudo de novas tecnologias, “o ensino de jornalismo ainda se baseia em modelos do final do século XIX e a maioria dos currículos das escolas de jornalismo segue as linhas tecnológicas do século XX.”

O problema é que já estamos no século XXI e os alunos de jornalismo, que não são bobos, percebem essa defasagem. A crise se torna inevitável.

Em minha opinião, a principal discussão sobre o ensino de jornalismo costuma estar centrado em premissas equivocadas. Ao invés de insistirmos em velhas armadilhas como a prioridade das disciplinas humanísticas ou teóricas sobre as disciplinas práticas ou parâmetros subjetivos e pouco precisos de qualidade, deveríamos desenvolver conceitos de “competência e criatividade.”

Pesquisar e testar novas metodologias de ensino e novos formatos de programas jornalísticos tendo como “parceiros” as emissoras de TV, pode ser uma solução. Em vez de “fábrica” de jornalistas, os nossos cursos poderiam ser “laboratórios” para a experimentação de novos formatos e linguagens audiovisuais. Afinal, os profissionais que estão no mercado possuem tanta responsabilidade quanto os professores na formação dos futuros jornalistas e no desenvolvimento de novas propostas para o jornalismo de TV.

No quadro atual, por motivos muitas vezes ideológicos, profissionais e pessoais, professores e profissionais do mercado estão lutando uma guerra em trincheiras próximas, porém opostas. O clima é de desconfiança, desconhecimento e indiferença.

Como disse um velho editor de TV ao receber um dos meus melhores alunos na redação para o primeiro estágio: “esqueça tudo que você aprendeu na faculdade. Telejornalismo só se aprende fazendo”.

Fiquei pasmo. Mas não fiquei surpreso! Essa é a cultura predominante em nossas redações. O ensino da prática jornalística está defasado no tempo e no espaço. E os professores de jornalismo, principalmente aqueles que lidam com o meio televisivo, estão afastados do mercado há muitos anos e desconhecem os problemas e as técnicas de uma nova realidade.

Educadores nas redações
Por outro lado, nesse cenário de guerra, os professores de jornalismo contra-atacam nas universidades com críticas viscerais contra o jornalismo praticado nas redações de hoje. Os ataques costumam ser ainda mais fortes contra o jornalismo do meio hegemônico: a TV.

Em outras oportunidades, sugeri que houvesse parcerias entre os cursos de jornalismo e as TVs para que os professores pudessem voltar às redações. Não como meros visitantes em um Simbah Safári. Mas como profissionais qualificados que podem ser “reciclados” periodicamente e que também podem contribuir para analisar, criticar e melhorar as rotinas profissionais com sua visão mais experiente, distanciada e crítica. Tive oportunidade de participar de programas semelhantes patrocinados pela Radio and TV News Director Foundation nos EUA.

Ao invés de criticar e desprezar o ensino de jornalismo de TV, os responsáveis pelo jornalismo das TVs americanas tentam colaborar na reciclagem dos professores telejornalismo.

Eles oferecem um programa chamado “Educators in the Newsroom” ou “Educadores na Redação”. A idéia do programa é bastante simples. Um comitê de profissionais de TV, jornalistas e acadêmicos selecionam professores de telejornalismo das universidades americanas que estejam interessados em ser “reciclados”. É um processo de seleção longo, detalhado e muito competitivo.

Esse programa tem o cuidado de preparar os professores para o inevitável choque cultural e tecnológico. Os organizadores também oferecem uma série de palestras e workshops na sede da fundação em Washington para que os professores veteranos aproveitem ao máximo essa oportunidade.

Esse encontro preparativo também é uma chance para que a velha guarda possa interagir com outros professores nas mesmas condições e com jovens profissionais do mercado. Depois, cada um dos professores selecionados será designado para trabalhar em uma TV local americana durante quatro semanas. A idéia é substituir um jornalista da ativa que esteja em período de ferias. A RTNDF e as TVs locais dividem as despesas e pagam um salário condizente com as funções.

Para a empresa, é um ótimo negócio. Eles recebem na redação um jornalista veterano disposto a aprender, trocar experiências e fazer uma consultoria externa. Em troca, os jornalistas na redação têm a oportunidade de conviver com uma visão mais acadêmica, crítica e até mesmo histórica de questões importantes para a profissão.

A idéia do programa é realmente simples e todos saem ganhando com a parceria entre as TVs, os professores e a instituição com apoio da RTNDF.

O programa já existe há 8 anos, tem atualizado inúmeros professores, além de ser responsável pela publicação de diversas pesquisas e bons livros sobre essa experiência de mestiçagem entre os jovens e velhos jornalistas.

É claro que tem muito jornalista que deve chegar na redação procurando o linotipo, o telex, as câmeras de filmagem ou os velhos preconceitos. Mas os resultados são positivos e os alunos de jornalismo que precisam de bons professores, obviamente, agradecem.

Ou seja, precisamos definir a identidade das escolas de jornalismo, seus objetivos e partir para soluções viáveis.

Salvar telejornais
Nada contra discussões intermináveis sobre a crise no jornalismo, no ensino da profissão ou sonhos irrealizáveis de um jornalismo utópico.

Mas é chegada a hora de enfrentarmos nossos problemas e experimentarmos novas idéias. Não temos problemas para ensinar “teorias” ou “generalidades”.

A nossa grande dificuldade é ensinar a prática jornalística nas universidades. Nossos laboratórios são precários e os professores não são preparados para ensinar as rotinas profissionais. Há um paradoxo persistente no ensino de jornalismo: afinal, como ensinar a prática? Por outro lado, as empresas de comunicação brasileiras não contribuem para o ensino. Ignoram seus problemas, criticam seus professores e desprezam seus projetos pedagógicos. Mas na hora de contratar seus profissionais não hesitam em privilegiar as boas instituições de ensino superior, principalmente as instituições públicas.

Em termos de identidade, deveríamos aprimorar o modelo de “escolas de jornalismo” no Brasil. O jornalismo e o ensino de jornalismo buscam identidade e boas parcerias no mercado.

Ensinar teoria ou generalidades é sempre mais fácil e econômico. Nada contra. Mas em nossas escolas de jornalismo, deveríamos dedicar mais tempo, recursos e pesquisa na busca de novas técnicas de ensino do jornalismo. Não faltam boas ideias. O que falta é apoio para experimentação e para a comprovação de resultados. Ou seja, menos discussão e mais ação e soluções. Não temos tempo a perder.

Se os chineses confirmarem sua milenar sabedoria, apesar da crise, podemos estar diante de uma grande oportunidade para salvar nossos telejornais.

(*) É jornalista, professor de jornalismo da UERJ e professor visitante da Rutgers, The State University of New Jersey. Fez mestrado em Antropologia pela London School of Economics, doutorado em Ciência da Informação pela UFRJ e pós-doutorado em Novas Tecnologias na Rutgers University. Atualmente, faz nova pesquisa de pós-doutorado em Antropologia no PPGAS do Museu Nacional da UFRJ sobre a "Construção da Imagem do Brasil no Exterior pelas agências e correspondentes internacionais". Trabalhou na Rede Globo no Rio de Janeiro e no escritório da TV Globo em Londres. Foi correspondente na América Latina para as agências internacionais de notícias para TV, UPITN e WTN. É responsável pela implantação da TV UERJ online, a primeira TV universitária brasileira com programação regular e ao vivo na Internet. Este projeto recebeu a Prêmio Luiz Beltrão da INTERCOM em 2002 e menção honrosa no Prêmio Top Com Awards de 2007. Autor de diversos livros, a destacar "Telejornalismo, Internet e Guerrilha Tecnológica", "O Poder das Imagens" da Editora Livraria Ciência Moderna e o recém-lançado "Antimanual de Jornalismo e Comunicação" pela Editora SENAC, São Paulo. É torcedor do Flamengo e ainda adora televisão.

Fonte:www.comunique-se.com.br

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