O antropólogo italiano Massimo Canevacci, professor convidado de Antropologia Cultural e de Comunicação da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), define uma sociedade comunicacional como um ambiente para experimentar novas linguagens e que favorece uma dinâmica criadora de uma nova percepção e interação dos espaços.
Na entrevista a seguir, Canevacci, ex-docente da Universidade La Sapienza, em Roma, na Itália, fala sobre as práticas de consumo contemporâneo, o conceito de cultura policêntrica e sua relação com a comunicação digital. “A transição entre a hegemonia da sociedade e uma hegemonia contemporânea da comunicação é a realidade de uma metrópole que, em seu cotidiano, está inserida em uma cultura digital”, pondera o autor dos livros ‘Cidade Polifônica’ (Studio Nobel, 1993), ‘Fetichismos Visuais’ (Ateliê Editorial, 2008) e ‘Comunicação Visual’ (Brasiliense, 2009).
Nós da Comunicação – Você já disse que a metrópole é o que define o contexto da música como produto. Em sua opinião, qual a relação que podemos fazer entre os conceitos de polifonia, corpo e cidade?
Massimo Canevacci – A metrópole é o contexto da música porque, em primeiro lugar, é comunicacional. Nela, são desenvolvidos diferentes tipos de fluxos, dentre os quais as dimensões musical, sonora e de ruídos, que fazem parte constitutiva da subjetividade. Acredito também que existe uma forte relação entre corpo e metrópole. Para explicar essa relação, gosto de utilizar duas palavras em inglês: ‘bodyscape’, que defino como ‘corpo panorama’, e ‘location’ que é uma extensão de lugares, espaços e interstícios que podem criar uma mudança identitária do sujeito.
Nós da Comunicação – Nesse contexto, qual é a dinâmica comunicacional da metrópole contemporânea?
Massimo Canevacci – É uma metrópole baseada no desenvolvimento de uma arquitetura diferente da modernista, que eu defino como um tipo de acomodação formal, geométrica e euclidiana. A metrópole contemporânea configura, ao mesmo tempo, tipos de lugares e espaços e tipos de identidade dos indivíduos que vivem nesses centros urbanos.
Por outro lado, uma metrópole comunicacional se torna um espaço para experimentar novas linguagens, não somente nas universidades. Essa cidade favorece uma dinâmica criadora de uma nova percepção e interação dos espaços. Penso que a comunicação é fluida, integra classes sociais, etnicidades e diferentes identidades sexuais, de gênero etc. A transição entre a hegemonia da sociedade e uma hegemonia contemporânea da comunicação é a realidade de uma metrópole que, em seu cotidiano, está inserida em uma cultura digital.
Nós da Comunicação – Quais são as características de uma cultura policêntrica e qual sua relação com a comunicação digital?
Massimo Canevacci – A cultura policêntrica culminou na experiência da metrópole da atualidade. O espaço urbano é policêntrico. Devido à grande capacidade de integração e mistura desses espaços é sempre mais difícil distinguir o que é considerado o centro e o que são as periferias. Consequentemente, isso possibilita um tipo de desenvolvimento enormemente interessante do ponto de vista da experiência da subjetividade contemporânea.
É fundamental que esse tipo de policentrismo estabeleça uma dialógica com o policentrismo da comunicação digital. Essa conexão favorece também uma polissemia dissonante onde cada pessoa, potencialmente, pode criar sua própria expressividade.
Nós da Comunicação – De que maneira essa cultura influencia as práticas de consumo da sociedade moderna?
Massimo Canevacci – Vejo que o consumo, por conta de um tipo de moralismo e atraso político é sempre condenado pela sociedade por meio de críticas negativas. Em geral, críticas feitas por aqueles que estão ‘de barriga cheia’ e têm acesso pleno às práticas de consumo.
O consumo deveria ser pesquisado, analisado e interpretado com a mesma seriedade que estudamos a produção e a comunicação. O consumo se torna o momento mais significativo da experiência da continuidade na metrópole. Apoio o desenvolvimento de um tipo de sociedade que saiba escolher como e o que consumir, e que o faça de forma sustentável, favorecendo uma expansão da experiência contemporânea.
Infelizmente, a grande maioria da população mundial não consome adequadamente. Por consequência, essa dificuldade está causando um drama da contemporaneidade, que é a migração populacional: um fluxo que vem se configurando não somente em países europeus, mas também nas Américas e na Ásia. Por isso, defendo máxima cautela ao procurarmos entender o significado do consumo contemporâneo, conceito que deve ser diferente daquele homologado por estudiosos nos anos 60 e 70.
Nós da Comunicação – As redes sociais vêm ganhando grande popularidade em todo o mundo. A que você credita esse sucesso?
Massimo Canevacci – Acredito que a questão fundamental das redes sociais seja sua proposta de desenvolver uma afirmação dos indivíduos e, ao mesmo tempo, uma comunicação muito mais horizontal, descentralizada e autônoma. São espaços e territórios virtuais que, apesar de muitas vezes não realizarem tudo que prometem, são características que podem ser trabalhadas pelos seus usuários.
Nós da Comunicação – É cada vez maior o número de críticos que alegam o aumento da solidão humana e distanciamento nos relacionamentos por causa dessas redes. Você concorda com isso?
Massimo Canevacci – Não, pois acho que essa posição reproduz um tipo de dicotomia, entre material e imaterial, que é a clássica dicotomia da modernidade. Atualmente, a cultura digital e a comunicação digital conseguem mensurar de maneira original o que é fisicamente perto e culturalmente distante.